Num post anterior vimos quanta informação do desenvolvedor os métodos de acesso escondem, não dos objetos em si mas de como os desenvolvedores podem usar esses objetos no dia a dia.
Continuando a mesma série de exemplos, vamos ver como unir dado e comportamento para melhorar a comunicação com nossos usuários (desenvolvedores).
Dados vs Comportamentos
Nos examplos anteriores, tínhamos um valor de desconto em dinheiro. Um desconto só é útil se aplicado à alguma coisa, certo? Como nossa empresa fictícia vende livros, vamos ver como seria usar dar desconto em um livro:
namespace MyApp\Promotion;
$book = new Product('Object Thinking (Developer Reference)', 60.00);
$blackFriday = new Discount\Money(10.00);
$finalPrice = $book->getPrice() - $blackFriday->getValue();
$book->setPrice($finalPrice);
No exemplo acima temos duas classes representando dois dados diferentes: desconto
e produto
. Veja que o comportamento de cálculo do desconto não esta encapsulado
em nada, vamos resolver isso:
namespace MyApp\Promotion;
class DiscountCalculator
{
public function applyDiscountOnProduct(
Discount\Money $discount,
Product $book
) {
if ($discount->getValue() >= $book->getPrice()) {
$message = sprintf(
'Discount (%01.2f) is greater than book price (%01.2f).',
$discount->getValue(),
$book->getPrice()
);
throw new \UnexpectedValueException($message);
}
return $book->getPrice() - $discount->getValue();
}
}
Agora temos nosso comportamento agindo em dois dados diferentes. Apesar de ser um exemplo com classes, nada impede os seus dados de serem um array ou qualquer outra estrutura de dados (apesar de saber que você prefere objetos 😉).
Vamos ver como fica o uso deles com nossa classe tilanga:
namespace MyApp\Promotion;
$calculator = new DiscountCalculator;
$book = new Product('Object Thinking (Developer Reference)', 60.00);
$guguFriday = new Discount\Money(50.00);
$customerCart = $calculator->applyDiscountOnProduct($guguFriday, $book);
Repare como a calculadora depende sempre dos dois objetos mas principalmente do desconto, que é quando ela é necessária. Separar dados de comportamento pode ser útil em alguns casos mas existe um grande poder (de comunicação) em unir ambos, além de ser um dos fundamentos da Orientação a Objetos:
Código procedural pega uma informação e toma uma decisão. Código orientado a objetos pede que objetos façam coisas.
Alec Sharp
Separando dado de comportamento você cobra do usuário o conhecimento dos comportamentos associados ao dado. Toda vez que alguém quiser saber o preço que algum cliente pagou (ou vai pagar) por algo, ela precisa saber dos descontos e aplicá-los. Você acha mesmo que elas vão sempre saber disso?!
Papai Noel não existe, nem o coelhinho da páscoa. #prontofalei
Tell, don’t ask
O Tell, don’t ask basicamente diz que juntando os dois (dado e comportamento) em uma única classe, o desenvolvedor precisa saber menos e o código tende a ficar mais conciso (e coeso, como consequência).
Como ficaria nosso exemplo de desconto em dinheiro usando ele?
namespace Myapp\Promotion\Discount;
class Money
{
private $amount = 0.00;
public function __construct($amountToDiscount)
{
$this->amount = $amountToDiscount;
}
public function calculateProductFinalPrice(Product $product)
{
$newPrice = $product->getPrice() - $this->amount;
if ($newPrice <= 0.00) {
$message = sprintf(
'Discount (%01.2f) is greater than book price (%01.2f).',
$this->amount(),
$product->getPrice()
);
throw new \UnexpectedValueException($message);
}
return $newPrice;
}
}
Pronto. Jogamos a calculadora fora, tiramos o método de acesso pra retornar o valor do desconto e colocamos o método da calculadora dentro do desconto.
Antes o desenvolvedor precisava saber o que fazer com aquele valor, agora ele precisa decidir se o que ele precisa é o valor do produto com o desconto aplicado ou não. É justamente desse fato que sai o nome do princípio: antes de permitir algum usuário de pedir alguma coisa (dado), diga/ofereça a ele as ações (comportamentos) que ele pode usar naquele objeto (dado+comportamento).
$book = new Product('Object Thinking (Developer Reference)', 60.00);
$blackFriday = new Discount\Money(10.00);
$customerCartValue = $blackFriday->calculateProductFinalPrice($book);
Pensando sempre em quem vai usar seu código, inclusive você, o código acima é mais simples e menos propenso aos erros de interpretação no futuro.
Como todo comportamento de desconto está disponível e pronto pra usar, expor o valor de desconto através de um método de acesso é desnecessário. Esse menor nível de exposição torna o encapsulamento dos algoritmos melhor e portanto, mais fáceis de evoluir.
É comum nas discussões de segregar (ou não) dado de comportamento, o pessoal a favor da união de ambos citar o argumento dos modelos anêmicos em DDD mas, acho que ninguém precisa ir tão longe pra defender os benefícios desse princípio.
Agora queremos descontos em porcentagem!
Agora precisamos aplicar um desconto em porcentagem. Refletindo sobre o problema, não temos muito a fazer além de criar outra classe de desconto e mudar ou pouco como o valor final do livro é calculado.
Acho sempre válido você pensar nas soluções por você, se possível envie elas pra mim depois. Como agora não tenho muita opção, segue minha solução pro problema:
namespace MyApp\Promotion\Discount;
class Percentage
{
private $fraction = 0.00;
public function __construct($percentageToDiscount)
{
$value = $percentageToDiscount / 100;
$this->fraction = (float) $value;
}
public function calculateProductFinalPrice(Product $product)
{
$discountValue = $product->getPrice() * $this->fraction;
$newPrice = $product->getPrice() - $discountValue;
if ($newPrice <= 0.00) {
$message = sprintf(
'Discount (%01.2f%%) makes product cost nothing!',
$this->fraction * 100
);
throw new \UnexpectedValueException($message);
}
return $newPrice;
}
}
Usar o princípio força você a imaginar como um objeto vai ser usado e nas informações que o usuário terá quando for consumir a funcionalidade da sua classe. Pra resolver isso, eu costumo tentar fazer o código imitar uma conversa entre duas pessoas.
Quando você recebe um desconto, como a pessoa comunica esse desconto a você?
- Você tem 25% de desconto em qualquer produto.
- Você só vai pagar 75% do produto.
- Você vai pagar o valor do produto menos o valor dele multiplicado por 0.25.
Imaginando que as três conversas fossem um código de verdade, eu penso imediatamente nos códigos abaixo:
namespace MyApp\Promotion;
// 1. Você tem 25% de desconto em qualquer produto.
$blackFriday = new Discount\Percentage(25);
// 2. Você só vai pagar 75% do produto.
$blackFriday = new Discount\Percentage(75);
// 3. Você vai pagar o valor do produto menos o valor dele multiplicado por 0.25.
$blackFriday = new Discount\Percentage(0.25);
Qualquer um dos três códigos pode funcionar, mas qual é a real expectativa do desenvolvedor quando for consumir o código existente? Deixar implementação próxima da forma como vocês conversam sobre uma funcionalidade dentro da empresa evita diversos problemas. Como na nossa empresa fictícia nos comunicamos usando o primeiro caso, implementamos ele.
Repare no nome do primeiro argumento: $percentageToDiscount
. Ele tira toda a
ambiguidade do processo e elimina a necessidade do desenvolvedor precisar ler o
resto da classe. Através de um código limpo estamos sempre evitando a ambiguidade
e a dúvida onde pudermos.
As diferenças entre os casos 1 e 2 são a forma como vocês conversam sobre a funcionalidade. Já no caso 3 a coisa se degringola um pouco: Você expõe a conta de porcentagem pro cliente, o que pode ser prejudicial no futuro, como no caso dos métodos de acesso.
Defendendo a separação de comportamento e dados
Existem alguns vários argumentos a favor de manter os dois separados mas de forma alguma vou esgotar essa discussão, nem que eu fosse presunçoso o suficiente pra achar que tenho essa capacidade, então minha intenção é te dar opções (ou novos problemas) pra ao menos facilitar sua escolha.
O primeiro argumento contra a separação costuma ser o da violação de SRP, o que é ótimo se a pessoa se embasar na questão de responsabilidade. É ótimo porque a questão de responsabilidade em nada viola a unidade de dado e comportamento. “Um motivo pra mudar” é o que define “responsabilidade” no SRP, se você fizer um bom trabalho de design você consegue ter ambos. Ninguém disse que ia ser fácil.
O segundo argumento é chato e costuma tocar objetos que precisam ser mapeados ou serializados. Nesse caso, você tem uma classe que possui informações além de um método que retorna o mapamento daquele objeto pra outro. Você pode isolar o mapeamento em outra classe e sempre que a estrutura de dados mudar, mudar essa classe-mapa também - resumindo, uma bosta. Você pode usar Reflection e fazer esse mapeamento com Inflexão, é um jeito melhor de resolver esse determinado problema e tenho certeza que não é o único. Aqui o argumento é chato porque provavelmente você vai cair nos trade-offs: analisar diferentes soluções e adotar a “menos pior” pro seu caso específico.
Em todos os casos, repare que a opinião pouco importa. Usar o “Tell, don’t ask” não precisa violar nenhum outro princípio independente da situação mas te convido a antes de pensar nos princípios, pensar em quem utilizará o código e se todas as implicações de negócio estarão tão claras pra eles quanto estão pra você. Esqueça disso e use todos os princípios, você terá problemas. Não disse que os princípios são ruins, só disse que eles por si só não resolverão todos os seus problemas.
PS: Se você pensou em usar alguns desses argumentos pra defender Active Record, eu tenho um argumento contra você: SRP 😄. Eu sou um filho da puta, to ligado. 😘
Conclusões
Assim como o uso inconsicente dos métodos de acesso pode ser ruim, separar dado dos seus comportamentos também é.
Dar aos usuários do seu código ações a serem feitas em cima de determinados dados, junto com eles, vai melhorar a comunicação do seu código com eles. É essa melhora de comunicação que impede os problemas de acontecerem.
Eu não falei quase nada sobre o TDA, então vá ler mais a respeito:
- O Andy Hunt e o Dave Thomas publicaram um artigo no IEEE além de outro bem mais detalhado no blog deles. Eu aconselho bastante a você ler eles! Eu podia ter colocado esses links na introdução e não ter escrito absolutamente mais nada, mas como eu peguei feijão e strogonoff hoje, considerem esses links o strogonoff.
- No Cunningham & Cunningham Wiki existe uma discussão dos dois links acima com algumas conclusões. Você já sacou que nenhum dos links que eu ponho deveriam ser ignorados por vossa senhoria, certo?!
- O Martin Fowler publicou no bliki dele um artigo bem preguiçoso a respeito do princípio. Se você gosta dele e está com tempo, vá lá ler, se não vá procurar alguém errado pelas internets. Com esse link aqui é sério, você não via perder nada se não ler.
- A ThoughtBot fez alguns exemplos em Ruby que são bacanas. Sem bla bla bla, só exemplos.
PS: Meu obrigado pro João, Nelson e Cobucci pelo review a mais um post. Eles são uns 👼 !